4.6.08

Baixa Pombalina - Património da Humanidade?



1755 é a data de um terrível acontecimento que destruiu Lisboa, fundada, como reza a lenda, pelo herói grego Ulisses. Estávamos no reinado de D. José I. O Reformador nomeou Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal, primeiro secretário de Estado para Assuntos Exteriores e, posteriormente, no seguimento do terramoto, primeiro-ministro. O Marquês, desde então, passou a governar de forma quase absoluta, de acordo com os princípios do século das Luzes. Ocorrida a catástrofe, surge como principal necessidade recuperar a capital do reino. A reconstrução da Baixa lisboeta ocorreu sob um regime quase autocrático, revelador de um despotismo iluminado. Todavia, o estilo arquitectónico pombalino é caracterizado por uma simplicidade das formas e anunciava já uma “Revolução Industrial”, referente a noções como estandardização e produção em série, pela concretização de sucessivos edifícios, não só da mesma altura, mas com fachadas muito idênticas e, ainda, seguindo o modelo da ínsula Romana patente na quadrícula repetitiva de implantação. Esta reconstrução Pombalina da Baixa lisboeta é interrompida em 1777 e só teve termo no século XIX.
Mais de dois séculos decorreram desde o início destas obras de reconstrução da cidade, impostas pelo devastador terramoto. Agora, surge a necessidade de reabilitar esta mesma zona da cidade, cada vez mais degradada e deixada ao abandono, para que se possa ver reconhecida a Baixa Pombalina como Património da Humanidade.
Para Eduarda Napoleão, vereadora do Reabilitação Urbana em 2005, concretizar-se a candidatura desta zona histórica a património da Humanidade significa «o reconhecimento internacional de que Lisboa é única no Mundo, uma obra-prima do génio da criatividade humana e que transmite um critério urbano excepcional». Além das suas palavras, parece-me lógica a importância que, ao longo da história, o porto de Lisboa teve, por exemplo, nas rotas comercias transcontinentais. De facto, se por um lado a localização de Portugal, no extremo da Europa, nos desfavoreceu durante centenas de anos, também nos dotou de capacidades para conseguirmos, por exemplo, iniciar o processo expansionista dos Descobrimentos. Na revista Única, de 6 de Maio de 2006, podia ler-se: “O porto faz parte da identidade marítima de Lisboa, projectando a cidade como principal capital atlântica da Europa.”
No entanto, são exigidos alguns critérios por parte do Comité Mundial do Património da UNESCO, entre outros, é necessário que se legitime o sítio extraordinário que se está a candidatar a Património Mundial. Como garante Eduarda Napoleão: «o sítio deverá possuir ainda uma dimensão monumental, ser testemunho de uma idade civilizacional única, espelhar uma tradição cultural, ter um forte significado artístico e literário».
A estratégia de reabilitação e revitalização da Baixa Pombalina não se restringe somente à arquitectura edificada, também se pretende o desenvolvimento das várias funções e utilidades da zona, permitindo a expansão das actividades económicas, batalhando contra a “descaracterização irreversível da zona” e o seu despovoamento actual.
















Em conclusão, talvez todo o espaço português necessite de um novo ordenamento, não em busca de um reconhecimento como Património da Humanidade, mas como meio para alcançar o desenvolvimento. Neste sentido, a 5 de Abril do presente ano, a revista do jornal Expresso, Espaços e casas, citava que os especialistas portugueses denunciavam que a falta de ordenamento do território em Portugal é um grave problema impeditivo do desenvolvimento, daí que tenha havido a necessidade de se criar o conhecido PDM (Plano Director Municipal). Quanto à capital, essa já está a ser alvo de intervenções na sua face “mais nobre: zona histórica entre o Cais do Sodré e Santa Apolónia. Cultura, património, lazer e transportes públicos são as grandes apostas” para que se veja reconhecida a Baixa Pombalina como Património da Humanidade.

Carla

2 comentários:

helena disse...

Carla
O teu texto está muito bom e nele consegues fazer uma ligação perfeita entre a História e a Geografia, entre o tempo e o espaço, entre o passado e o presente de uma cidade e levas-nos a pensar no que não teremos no futuro se os urbanistas não pensarem a cidade e as suas partes como um espaço de cidadania , com pessoas a viver, a circular... A Baixa como Património Mundial tem de ser a baixa dos lisboetas, dos portuguses e de todos os que gostam de Lisboa para viver, visitar... Os lugares/ espaços Património têm ser vividos. fazendo a a analogia com o "nosso saudoso Douro", ele será Património enquanto homens e mulheres conseguirem que aquela paisagem tenha vida.Se a abandonarem ou se a modificarem sem ordenamento ela perde-se, irremediavelmente.




helena

Soledade disse...

Um texto bem estruturado, um raciocínio fundamentado, como é usual no que escreves, Carla. Muito bem! A questão do ordenamento do território é pertinente. E achei muito interessantes as observações acerca da arquitectura pombalina. Sabes que este ano, nas comemorações dos 25 anos da publicação do "Memorial do Convento", assisti em Mafra a algumas palestras interessantíssimas e fiquei a saber algo que ignorava de todo: as técnicas aprendidas e desenvolvidas pelos artífices portugueses durante a edificação do Convento, bem como as inovações em termos de materiais que a construção deste edifício exigiu, vieram a mostrar-se decisivas na reconstrução de Lisboa após o terramoto. Foi uma surpresa para mim, pois sempre tinha pensado no Convento de Mafra como um monumento à megalomania de D. João V. Estava redondamente enganada. A História nunca é tão linear como às vezes supomos.