
Retrocedendo milhares de anos, fixando o pensamento na Grécia Antiga, sobretudo na cidade-estado modelo, Atenas, séculos antes de Cristo, já os eruditos atenienses criam na importância de uma “alma sã em corpo são”. Assim, desde cedo, os jovens mais afortunados frequentavam o ginásio como forma de preparação para o exército e, simultaneamente, aprofundavam os seus conhecimentos em matérias como: Filosofia, História, Retórica, Gramática, Demagogia, entre outras. Era este estudo das Humanidades que iria permitir o crescimento de cidadãos com espírito crítico que pudessem frequentar com brio e sabedoria a Eclésia.
Já em tempos remotos era dada tão grande importância ao cultivo do espírito e do intelecto e, actualmente, sente-se um descentralizar destas matérias, ao mesmo tempo que se enfatiza a importância crescente da robótica, da informática, da tecnologia, enfim, de todas as ciências lógico-dedutivas. Jamais será minha intenção desprezar estas ciências, na verdade, pela sua existência, é-nos permitido dispor dos mais sofisticados produtos que, outrora, ninguém pensara que pudessem ser criados. Todavia, a importância decrescente das Ciências Sociais e Humanas, afigura-se-me como um desfigurar não só do mundo contemporâneo, como uma traição às épocas que nos precederam e nas quais o estudo das Humanidades era essencial para, por exemplo, se poder ser um bom orador e uma pessoa influente.
E se vigora a ideia de que as Humanidades estão desactualizadas e são matérias do passado, crê-se em algo completamente errado. Em inícios do século XXI, em que se debatem temas controversos como a pena de morte e o aborto, é fundamental conhecer as nossas origens, para que possamos nortear-nos por exemplos que sustentem as nossas opiniões. E é necessário saber argumentar. Tudo isto exige treino, conhecimentos de História, de Filosofia, de Literatura e um bom uso da língua…
Em suma, o Curso de Ciências Sociais e Humanas, no Ensino Secundário, não é um desvio para que não se enfrentem obstáculos como um que todos nós conhecemos e a que muitos chamam “bicho-de-sete-cabeças”, pois as Humanidades fazem-nos crescer enquanto seres humanos racionais, inteligentes, activos e críticos.
Penso que a imagem se adequa à nossa reflexão em torno do conceito "Humanidades" e, como tinha deixado no moodle, "poderíamos ainda imaginar que cada um de nós corresponde a uma personagem do fresco renascentista". Todos reunidos, convivendo e, quiçá, reflectindo sobre temas relacionados com o título do nosso "espacinho" on-line.
(Imagem: fresco de Rafael, A Escola de Atenas. Séc. XVI, Roma, Stanza della Segnatura, Palácio do Vaticano.)
(Imagem: fresco de Rafael, A Escola de Atenas. Séc. XVI, Roma, Stanza della Segnatura, Palácio do Vaticano.)
Carla Serralheiro
7 comentários:
Carla, gostei muito deste texto. Numa escrita elegante e fluida, daquelas que dá gosto ler, expões o teu ponto de vista, fundamenta-lo e exprimes as inquietações que são de nós todos e que às vezes debatemos, alunos e professores do Curso de Ciências Sociais e Humanas.
A escolha da imagem foi perfeita, nem podia ter sido melhor. E então acompanhada pela deliciosa adenda que escreveste!... :) Parabéns!
Olá Carla,
Parabéns pelo texto! Está muito bem redigido e bem pensado. Subscrevo inteiramente as tuas percepções, sobretudo no que toca à importância das Humanidades. Este texto merecia ser divulgado e discutido, para que mais jovens atentassem nestes princípios e dessem mais valor a um velho ditado latino "Nada do que é humano me estranho".
Apenas um reparo: aos jovens atenienses não lhes era ensinada demagogia. Aliás, a demagogia é uma degeneração do uso abusivo da retórica.
Uma curiosidade: a "Escola de Atenas" tem no centro duas das personagens mais importantes da Antiguidade: Platão e Aristóteles. Platão, se repararem, tem o indicador levantado para cima, enquanto Aristóteles, tem o seu indicador para baixo. A interpretação desta representação é a seguinte: Platão defendia que a essência das coisas encontrava-se independentemente dos objectos físicos e percepcionados, num plano ultra-sensível (teoria das ideias); Aristóteles, por seu turno, foi um opositor à teoria das ideias do seu mestre, então, defendia que a essência das coisas (a substância) não era independente da matéria e dos acidentes. Para se alcançar o verdadeiro conhecimento há que partir, indutivamente, dos objectos físicos.
Gostei da tua ideia: que cada um dos rostos que aparece no quadro pode ser um de nós! :)
Um projecto muito interessante e corajoso. É preciso remar contra a corrente. Parabéns.
José Martins
Carla
Tenho estado a ver se me consigo descobrir no fresco do Rafael :) Com colaborações como a tua até podemos pintar novas Escolas com "espacinhos" de encontros.
Sabes, Carla, o que eu queria mesmo era ser, simultaneamente, uma das personagens e o próprio espaço de encontro. Penso, até, que era o que todos os professores, principalmente os que mais se identificam com as Humanidades, queriam ser. O teu texto recordou-me e avivou as cores desse meu objectivo. Obrigada:)
Professora Soledade, obrigada pelo seu comentário! Estava com receio de que não concordasse com a escolha da imagem, fico feliz pela sua aprovação!
Professor Valter, obrigada pelo seu reparo, de facto, não sabia e estava enganada, ainda bem que me elucidou! Quanto à interpretação do fresco, achei bastante curiosa, nunca tinha lido nenhuma “tradução” à pintura de Rafael, homem renascentista que era, jamais poderia esquecer os grandes mestres da Antiguidade. =)
José, apesar de não o conhecer, agradeço o seu comentário! É, de facto, um projecto ambicioso tanto este blogue, como tentar inverter o papel que as Humanidades têm no nosso mundo. Mas jovens que somos, é nosso dever lutar por o que acreditamos e queremos realmente, não concorda? Penso que todos nos vamos empenhar ao máximo para que o nosso projecto dê um óptimo resultado! =)
Acho que estamos todos no fresco, professora Helena, se bem que um pouco disfarçados =)
Um objectivo interessante, professora Emília! Sabe o que eu penso… Corre pelo caminho certo para o alcançar =)
Um beijinho a todos e bom fim-de-semana!
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